Esta é um pouco da história de um ser de luz...
Thereza Roza (nome de batismo) nasceu no dia 24 de agosto de 1902, às 4h da manhã no Engenho de Bona em Morretes. É a primeira filha de Antonio de Bona e Teodora Cecília (Cesira) Bertazzoni de Bona. Tinha na ocasião 2 irmãos: Francisco João (seu meio-irmão com 5 anos, filho do primeiro casamento de seu pai, criado por seus tios Arcângelo e Elvira em Curitiba) e Santo (nascido em 1900) com quase 2 anos.
Ao longo dos anos Thereza teve mais 6 irmãos: Theodoro (1904), Antônia (1906 – falecida no parto), Maria Palmyra (1908), Antonio (1910), Marcos Luiz (1914) e Pedro (1916 - que viveu por 78 dias).
Thereza desde pequena ajudava a mãe cuidando dos irmãos menores. Primeiro Santo - Santin como era chamado - foi estudar no Colégio das Irmãs da Congregação de S. José de Chambéry, depois ela e os irmãos. Na volta para casa havia do lado da Igreja Matriz um pé de jabuticaba, quando ficava carregado comiam o quanto podiam para chegar em casa com menos fome. Eram tempos difíceis, mas de belas lembranças. Adorava as Irmãs que lhe ensinaram a ler, gostar de poesias e a cantar. Declamava aqueles poemas como se fosse decorado no dia anterior e adorava cantar até o fim de sua vida, aliás ela tinha uma memória incrível!
Contava que sua mãe era muito religiosa e que para ir à missa sozinha tinha que sair escondida dos filhos senão queriam ir todos juntos. Mas tinha uma estratégia: colocava as roupas que iria na missa, o véu, o terço e o livro de orações atrás de um bambuzal perto da saída. Avisava ao marido para olhar as crianças, se trocava e ia à igreja sem ninguém ver, na volta trocava-se novamente. Era muito caprichosa, paciente e carinhosa com todos os filhos como também com o Francisquinho (enteado) quando ele vinha passar as férias com a família.
Sempre cozinhando, limpando a casa e costurando no tempo que sobrava, fazia todas as roupas para os filhos e filhas. A medida que iam crescendo fazia novas, reformando e aproveitando as peças para que os menores usassem. Thereza, depois de uma certa idade,
ajudava na cozinha, horta, nos afazeres, na costura e foi assim que aprendeu o ofício que teve por toda a sua vida, mesmo almejando ter uma outra profissão melhor.
Seu pai Antonio conhecido pelo apelido de Marchetto, era um homem muito trabalhador, amigo de todos e bondoso. Com os anos foi perdendo a audição e essa deficiência o incomodava muito. Tinha no terreno ao lado da sua casa um engenho, aonde fabricava aguardente, rapadura, açúcar e também confeccionava peças de cobre para os engenhos da região. Seu pai com o crescimento do engenho e suas economias teve a oportunidade em 1917 de comprar mais terras para o plantio de cana e assim ampliar seu negócio. Parte de sua nova aquisição fazia divisa com o seu, sendo separado pela linha do trem e o local chamado de Marambaia.
Queria sempre o melhor para os seus filhos e insistia que tinham que estudar. Foi convencido pelo seu tio Arcângelo que o seu irmão Theodoro, que já tinha o dom de desenhar, fosse estudar em Curitiba e morasse com ele. Santin ficou para ajudar o seu pai no engenho e estudar no local.
Na manhã do dia 5 de março de 1918, sua mãe um pouco antes das 11h da manhã foi para o quarto do meio, aonde tinha uma cadeira de balanço perto da janela e sentou-se para descansar. Pelo lado de fora girava a roda d’agua do Engenho e ela admirava o seu movimento, o seu irmão Santin entrou no aposento e viu um raio de luz bater no rosto de sua mãe. No mesmo momento deixou-a desforme e vindo a falecer, naquele tempo chamavam de “Raio de ar” hoje como AVC.
Foi muito triste a perda de sua mãe e ver seu pai desesperado e com 6 filhos para criar, estando o mais novo com 4 anos de idade. Muita coisa mudou. Thereza na ocasião com 14 anos teve que assumir a casa e cuidar de seus irmãos menores, Maria Palmyra, Antoninho e Marcos Luiz.
Acordava no escuro enquanto seu pai fazia o fogo e saía para ordenhar a vaca ela já ia fazendo o café, pão, acordando os irmãos. Depois limpar a casa, lavar a roupa, cuidar da horta, fazer o almoço, levava e buscava seus irmãos no colégio, dava banho, costurava. Enfim, teve que ser a mulher da casa sendo sempre tão pequenininha.
O tempo foi passando, mas seu pai em consequência da falta de sua mãe trabalhava sem parar para ocupar a cabeça e foi piorando da surdez rapidamente até perdê-la por completo.
Tia Thereza me contou como foi o pior dia de sua vida, dia 14 de agosto de 1919, poucos dias antes de completar 16 anos. “Começou normal no Engenho, meu pai trabalhando com o Santin e eu na casa. Passava das 10h30 da manhã quando meu pai me avisou que ia para a cidade, até perguntei se ele queria almoçar antes de ir e ele não escutou. Estava nervoso e saiu falando sozinho, indo pelo caminho mais curto para a cidade que era pelos trilhos do trem. Não demorou muito e vieram nos avisar que ele tinha sido atropelado pelo trem que fazia manobras e que havia morrido. Nós entramos em desespero, Santin saiu correndo para saber o que houve e a resposta era que ele não havia escutado a buzina desesperada do maquinista do trem, que não conseguiu parar. Nem pudemos ver meu pai pelo estado que se encontrava. Alguém avisou tio Arcângelo que veio rapidamente com toda a família e trazendo o Theodoro que morava com eles, tomando a frente de tudo. Foi muito triste e chocante, tio Arcângelo ficou alguns dias para ver como estavam os negócios do Engenho e sabermos como iriamos fazer sem nossos pais”.
Menos de um mês depois o Santin fez 19 anos e disse que ia continuar com o trabalho do pai e permaneceram no local, no princípio com a ajuda seu tio e do primo Antônio Pedro os orientandos e do Francisquinho que veio morar com eles.
Os registros indicam que o Francisquinho fez uma casa no mesmo terreno do Engenho, para ele e o Antônio Pedro morarem.
O ano de 1920 passou e nele Thereza se apaixonou por seu primo Antônio Pedro, era trabalhador e um exímio violinista. O casamento civil foi realizado no dia 21 de janeiro de 1921 na casa do Francisco, com a presença do Juiz Municipal Alcebíades Corrêa Bittencourt. Antônio Pedro com 24 anos era empregado do comércio e Thereza estava com 19 anos. Foram testemunhas Domingos Malucelli e Antônio Domingos Gnatta, ambos naturais da Itália. Assinaram além dos noivos, Brasilina Del Mugnaio, Antonio Cavagnoli, Santo de Bona e o escrivão Clemente Consentino.
O casal foi morar na casa do Francisco e a Thereza se dividia em cuidar das duas casas e criar os irmãos menores.
Em junho do mesmo ano (1921) Santin e Francisco (com sua parte da herança de seu pai) tornam-se sócios, registrado na Junta Comercial a firma com o nome de “Irmãos de Bona” para fabricação de aguardente.
Após 1 ano e 4 meses de casados nasce a primeira filha do casal, às 16h do dia 18 de maio de 1922, sendo lhe dado o nome de “Elvira” em homenagem à mãe de Antônio Pedro. A pequena Elvira viveu por 15 dias, vindo a falecer sem assistência médica no dia 3 de junho. Nove meses depois, no dia 3 de março, outra menina que nasceu sem vida. Não lhe foi dado um nome. Quase um ano depois, no dia 18 de fevereiro nasce “Norma” que veio a falecer 3 dias depois, sem assistência médica.
Após tanta tristeza em seus 3 anos de casados, e ainda em fase de frustração de luto, dias depois seu amado Antônio Pedro fica doente. Tia Thereza me contou: “tinha ido pescar em um dia bem quente e para se proteger ficou de costas para o sol. No dia seguinte não passou bem e foi ficando com a cor amarelada e fraco, chamamos o médico que nos mandou que fervêssemos todas as roupas usadas por ele, toalhas, lençóis e lavar separados o prato, xícara, talheres, etc. Seu estado foi piorando e acabou falecendo 3 semanas após a nossa filha, no dia 13 de março de 1924. Eu tinha apenas 21 anos e já tinha passado por tudo isso...”
Dois anos antes, em 1922, seu irmão Santin tinha se casado com Ondina Polydoro e já tinham uma filha de nome Zelinda na ocasião que a Thereza ficou viúva. Alguns meses depois os irmãos desfazem a sociedade (1924). Francisco vai morar em Curitiba,casando com Margarida Alberge em 1926. Thereza sozinha volta a morar na antiga casa com os irmãos e a Ondina.
Os anos foram se passando e Thereza teve alguns pretendentes, uns bons e outros nem tanto. Mas o destino fez com que um jovem Laudelino Ferreira, 3 anos mais moço que ela, fosse trabalhar no Engenho, se conhecessem e se apaixonaram. O maior empecilho era que o seu noivo era muito problemático e bebia muito. Vinte dias antes do casamento Thereza e Nhô Lau (como Laudelino era chamado) discutiram e ele tentou se envenenar no Engenho ingerindo “Forte dose de Creolina” e sendo socorrido pelo Dr. Domício Costa que realizou os procedimentos a tempo. Thereza, vendo o desespero dele, mesmo assim aceitou se casar. A união foi realizada no Cartório de Curitiba pelo Juiz de Paz Antônio Rodrigues de Paula, às 16h15 no dia 16 de abril de 1932. Foram testemunhas e assinaram Aristides Moraes, militar e Alcídio Guimarães, alfaiate (ambos seus cunhados).
Foi a partir deste evento que os irmãos se separaram, só ficando solteiros Antônio com 22 anos e Marcos Luiz o caçula com 18 anos.
José Argemiro Ferreira e Lucia Smanhotto eram os pais de Laudelino (11/02/1906) e moravam na localidade do Rio do Pinto em Morretes. Tinham uma família numerosa com 11 filhos, Nhô Lau era o nono e tinha 2 irmãs mais novas. A Herondina casada com Aristides Moraes e Horizontina casada com Fábio Piloto Bastos.
Thereza e Nhô Lau foram morar em uma vila no Bairro do Capanema e ele trabalhava na fábrica de cerveja da Brahma.
Contava que tinha dias que não tinha o que cozinhar e para que os vizinhos não a notassem colocava pedras em uma panela e deixava fervendo para fazer barulho. Pelo marido ser alcoólatra e diante das dificuldades financeiras ela começou a costurar para fora, pois era a única maneira de poder sobreviver com um certo conforto. O tempo foi passando e o Nhô Lau piorando. Ficando mais grosseiro e aprontando muito.
Há diversas histórias de situações horríveis que fazia a Thereza passar. Xingava suas freguesas e tocava-as de sua casa.
Thereza uma vez no inverno colocou uns pintinhos no forno apagado para se aquecerem e ele chegou e ligou o forno matando os coitadinhos. Bebia e sumia. Entrava em um trem e logo vinha um recado de conhecidos que fossem buscar o Nhô Lau porque estava causando problemas.
Outras duas história hilárias foram sobre porcos... a primeira foi que Theodoro pediu que a Thereza levasse um leitão temperado para o Ano Novo na casa deles, que era do outro lado da cidade. Ela encomendou e um rapaz foi entregar o bicho dentro de um saco de estopa e ela pediu que deixasse do lado da casa, que logo ia limpar. Naquele tempo entregavam só morto e ela tinha que tirar o pelo, limpar e temperar, mas minutos depois chegou o Nhô Lau com um amigo. Os dois bêbados disseram que eles que iriam limpar e pela situação Thereza, para não brigar, deixou. Algum tempo depois ela foi ver se estava pronto e ficou muito nervosa ao ver que tinham aberto o bicho e um jogava água quente no leitão e o outro jogava água fria, raspando os pêlos. Estava uma verdadeira bagunça de pêlos, água e sangue. Falou com um menino que estava passando e pediu que chamasse um taxi com urgência para ela, foi se trocar e colocou o leitão no saco de estopa dizendo ao marido que iria preparar na casa do irmão. É claro que o saco ficou sujo de sangue e quando ela atravessava o terreno até o portão o Nhô Lau gritava da casa: “- Homem não leve essa louca!!! Ela matou uma criança e está levando dentro do saco!!!”
A outra, quando seu irmão Antoninho morava em Ponta Grossa e criava porcos, para o consumo da família. Certo dia programaram de matar um que estava muito grande e fizeram um mutirão. Uns pelaram o porco, uns separavam a carne e as mulheres fritaram toda pele com gordura para fazer a banha. Rendeu 2 latas quadradas grandes, colocaram na calçada que tinha na lateral da casa para esfriar, enquanto lavavam a bagunça no final da calçada e Nhô Lau chegou. Bêbado e vendo as mulheres lavando quis ajudar, pegou as latas com a banha como se fosse água e jogou do começo da calçada escorrendo gordura por tudo. Foi um desespero só, meu avô arrancando os cabelos, todos brigando e a Tia Thereza coitada tentando apaziguar, imagino o sacrifício depois para limpar a bendita.
Certo dia foi com minha avó Adélia (sua cunhada), que já não gostava nem um pouco dele. Na casa em Curitiba, ela estava lavando roupa e ele veio por trás e passou a mão atrás da perna dela, que na mesma hora pegou o pano molhado que estava lavando e deu uma sova nele.
Estas são algumas histórias que a Tia Thereza me contou, relembrando e demos muitas risadas.
Ele era problemático, mas não agredia fisicamente a Thereza, só com palavras. Adorava crianças e nunca lhes fez nenhum mal. Não sabemos o porquê apesar de tantos anos casados não tiveram filhos, ou ele não podia ter ou ela não queria, depois do que havia passado com as perdas.
Voltando para alguns anos após o casamento, no final dos anos de 1940, Marcos (seu irmão) casou e morava em Morretes. Seu outro irmão Antoninho tinha comprado um terreno na Rua Amazonas Marcondes, Vila Angelina (hoje Bacacheri), Curitiba. Construiu uma casa e depois de algum tempo mais algumas menores para alugar. Marcos com Olguinha (esposa) e filhas, quando vinham à Curitiba ficavam na casa deles. Soube que estava à venda um terreno muito bom na mesma rua e ficou interessado em comprar. Adquiriu o terreno e fez no fundo uma casa de madeira e na frente com um grande gramado e cercado, para que quando eles viessem tivessem a sua moradia. Na mesma ocasião como a Thereza e Nhô Lau estavam passando por dificuldades e Marcos fez um acordo com a irmã. Ela iria morar lá, que quando ele e sua família viessem Thereza cozinhasse e deixasse o quarto (reservado) que ficava na parte da frente da casa, sempre arrumado. Ele ajudava a irmã e ela cuidava da casa. Assim ocorreu por alguns anos, até que em 1960 Marcos veio para trabalhar em Curitiba mudando com a esposa e filhas, indo morar em outra casa. Primeiro na Avenida Getúlio Vargas e mais tarde mudaram para uma casa na Rua Alferes Poli, deixando a Thereza morando aonde estava.
Cuidava da casa e costurava para as freguesas e para a família. Fazia roupas para todos os gostos e ocasiões, desde o casual, para festas e até vestidos de noiva (como o da sua sobrinha Zelinda) consertos em geral e era muito requisitada por seu capricho. Nhô Lau continuava do mesmo jeito, implicando com as freguesas, tinha dias que Thereza ia pega-lo caído na rua sob efeito da bebida, xingamentos e aprontando, mas Thereza amava o marido e aguentava tudo sem reclamar. Além de trabalhar incansavelmente para manter a casa e suas necessidades. Quem sempre ia visitá-los era Herondina a irmã do Nhô Lau, elas eram muito amigas.
No começo dos anos de 1960, Nhô Lau fica doente, sendo diagnosticado com câncer na carótida Mesmo com todos os tratamentos ocorreu metástase para os pulmões, falecendo em casa no dia 14 de janeiro de 1966 às 10h30, sendo sepultado junto a Lucia sua mãe, no Cemitério da Água Verde. Laudelino e Thereza ficaram casados por 33 anos. Após ficar viúva a casa foi dividida, uma parte a Thereza morava e a outra foi alugada.
Foi por volta de 1964/65 que eu tenho as minhas primeiras recordações da minha tia Thereza e do Tio Nhô Lau. Lembro perfeitamente a fisionomia dele, me pegando no colo e me levantando até que eu pudesse pegar encima do armário uma caixa de chocolates. Depois de 1966 as ocasiões em que ficava com ela ainda pequena, fazia cada dia um tipo de mingau e sentávamos na frente do rádio para ouvir as novelas. Também em um dia de finados fomos de ônibus até o Cemitério da Água Verde e ao descer ela comprou umas flores e fomos até o túmulo que para mim era muito alto.
Mas chega de tanta tristeza...ela não gostava.
Era alegre, bondosa, católica de muita fé, nunca reclamava, divertida, companheira, muito amorosa, dava vários beijos demorados em uma só bochecha. Disposta mesmo com as varizes e a dor nas costas lhe incomodavam (por culpa da costura). Adorava festas, viajar, reunir a família, sempre positiva, contar capítulos das novelas e histórias minuciosamente e tinha um imenso orgulho e carinho pelos irmãos. Cuidava e zelava dos sobrinhos que vieram de Morretes para estudar em Curitiba. Caso alguém ficasse doente corriam chamar a Tia Thereza, que imediatamente colocava para ferver, na chama do fogão, sua caixinha de metal com a seringa, o embolo de vidro e agulhas (que afiava com uma lixa) para aplicar a injeção, aliás era a única da família a fazê-lo. Caso alguém fosse para o hospital ela era a primeira a se manifestar e dizia: “- Eu passo a noite, sabe eu não durmo”.
Sua famosa “Caçarola Italiana” e seu “Barreado”.
Ela era uma mulher à frente do seu tempo...
Eu e o Narcizo, quando marcamos a data do nosso casamento, convidamos a Tia Thereza para ser nossa madrinha. Ficou muito orgulhosa e animada com os preparativos. Nós queríamos que ela tivesse o seu momento especial na cerimônia, no dia 21 de março de 1980 acompanhada pelo Julio (meu irmão). Foi a primeira madrinha à entrar na igreja até o altar.
Por volta de 1981 uma construtora se interessa pelo terreno aonde ela morava, para construir um pequeno prédio e seu irmão ficaria com alguns apartamentos. Por este motivo Thereza que já apresentava problemas de saúde e que morava sozinha, se mudou para a casa da sua cunhada Adélia (minha avó).
Lá passei muitas tardes com elas, conversávamos muito e sobre tudo, principalmente sobre o passado. Um certo dia perguntei se quando era criança comprava doces e quais, e ela me respondeu que não tinham dinheiro, mas que faziam doces para passar no pão com frutas da época e bala de melado. Aí perguntei se me ensinaria a fazer e aceitou na hora. Comprei o melado em Morretes e celofane para embrulhá-las. Cozinhamos juntas e foi me explicando o ponto certo toda orgulhosa, depois pingando em uma forma untada. Embalamos e só conseguimos chupar algumas de tão doce. Foi feita a distribuição para toda a família, foi muito bacana!
Em 1982 os sintomas pioraram e foi operada. Descobriram que estava com câncer avançado e ninguém queria que ela soubesse. Mas é claro que ela sabia, só não comentava.
Meu último encontro com ela foi na casa da tia Olivia no domingo à tarde, estava muito alegre e falante. Na segunda- feira a tarde começou com fortes dores e a levaram para o Hospital São Lucas. Administraram morfina várias vezes até que o seu coração não aguentou, faleceu às 2h da manhã do dia 24 de maio de 1983, tinha 80 anos. Está no “Cemitério Santa Esperança” em Morretes, junto com seu Antônio Pedro e as 3 filhas.
Sobre a vida da tia Thereza, estou contando a vocês parte do que me contou durante nossas conversas. Outras, descobri através de registros e as que eu vivi com ela.
Tenho a absoluta certeza que se fosse ela contando a sua história daria um grande livro. Pois em matéria de histórias era minuciosa na arte de contar e relatava “Tintim por Tintim”, não importando o tempo que durasse.
Só posso acrescentar da minha parte que foi e é muito amada e querida por todos que a conheceram, que apesar de tudo foi muito feliz.
Tia Thereza querida, meu presente para esse dia tão especial são as lembranças e a saudade de você.
Grande beijo estalado, Karin
Relatos dos sobrinhos-netos que moraram com a Tia Thereza
Dirlei Lourdes de Bona Nunes (sobrinha-neta) De 1974 a 19...
Curiosidades...
Tia Thereza me esperava chegar da faculdade, no dia de lua cheia. Estava no gramado na frente da casa com o dinheiro na mão, olhava para a lua nós duas e falávamos: -“ Deus te salve lua cheia, com toda a sua crescente, dai-me saúde e felicidade e dinheiro para gastar sempre”, 3 vezes você faz esta homenagem à lua e depois agradece, na próxima lua cheia faz também. A tia gostava de fazer simpatias.
As vezes a gente ficava no quarto, na hora de dormir na cama, e ela ficava contando os casos amorosos. Tinha um rapaz muito elegante que queria cortejá-la, mas ela não gostava dele. O rapaz mandou uma carta a pedindo em namoro e ela disse que não podia. Então ele escreveu uma carta aonde tinha em um trecho uma poesia ou frase, alguma coisa assim: “A vida é cheia de peripécias envolvido nisso tudo num enigma decifrável”. Ela procurou em um livro que era vendido com modelos prontos para cartas na época e viu que o rapaz tinha tirado deste livro, rindo muito.
Tia Thereza era uma pessoa muito moderna pela época. A Karin ia fazer 15 anos e iriam dar uma festa no Clube, então resolveu fazer um vestido para mim. Aí me disse: - “Compre este tecido (dando o nome), na cor verde, mas num verde bem bonito” e eu comprei. Fez um vestido tubinho longo com uma gola fechadinha até no ossinho da clavícula, depois cortou da gola até chegar lá no meu soutien. Quando eu coloquei falei “Meu Deus do céu aqui está tudo aberto! ” Aí ela falou: "- Não, vai ficar muito bonito porque é sexy” e realmente chamou a atenção, ficou muito bonito o vestido mesmo.
Tia Thereza tinha várias vizinhas que gostavam muito dela. Do lado morava a D. Maria (casada com um engenheiro) e irmã da pianista Henriqueta Duarte, ela fazia roupas para todas, para os filhos e na frente a D. Therezinha, a esposa do dono do posto de gasolina na esquina, que tinha 3 filhas, uma delas a Maria Eugênia era afilhada dela e todos tinham o maior carinho pela tia. Todos os aniversários, todas as festinhas a convidavam, estava sempre ocupada, mas dava um jeitinho e ia.
Ela tinha suas preferências as vezes de sobrinha. Zelinda era o encanto e paixão da vida dela e a da Ligia falava com todo o carinho.
Ela também era amável e apaixonada pelos irmãos. Quando tinha festa no tio Theodoro nós íamos, ela fazia questão de ir. Eu faço aniversário no mesmo dia da tia Maria, no dia 29 de março, e sempre todos os irmãos e parentes iam dar um abraço, porque Tia Maria sempre fazia os bolos e quitutes com a ajuda da Zeila. Antes de ir para a casa da tia Maria o Tio Theodoro chegou lá na Tia Thereza aonde eu estava, com um quadro que ele pintou 1923. Este quadro estava no escritório do meu avô que era na parte de cima da casa e meio escuro, me lembro bem. Quando eu ainda morava em Morretes, meu avô faleceu e fecharam a casa. Um certo dia comprei uma toca disco e precisava de uma mesinha para colocá-lo e fui até lá para ver se tinha alguma. Quando olhei no canto tinha um quadro todo empoeirado. Tirei a tela da armação e dei uma limpada numa pequena parte de baixo com uma escovinha, vi que tinha a assinatura do tio. Parei de limpar porque fiquei com medo de estragar, guardei até que um dia o tio Theodoro apareceu lá em casa e peguei o quadro para dar a ele. Quando viu ficou super alegre e falou: -“Você salvou esta arte que eu não faço mais, é outro tipo de arte !!!” e levou. Naquele dia do meu aniversário, foi esse o quadro restaurado que me deu de presente, e o mais bonito com uma dedicatória atrás que diz “Ofereço a minha sobrinha Dirlei. Theodoro de Bona”.
Nesta época eu já estava trabalhando na prefeitura e chegou o dia das minhas férias. Tia Thereza falou assim: “- O que você vai fazer nas tuas férias? Não me vá ficar as férias inteirinhas em Morretes, vai passear 15 dias viajando com um turismo e depois vá para Morretes. Você tem que conhecer outras cidades, você tem que evoluir né? ”. E eu obedeci a mestra. Foi então que eu fui para o Rio de Janeiro com uma amiga que a irmã era casada com um artista, passeei muito. Quando voltei para Curitiba era tarde, cheguei e logo fui dormir. Na manhã seguinte fui acordada por tia Thereza gritando feliz, “Dirlei, Dirlei acorde!!! Está caindo neve está tudo branco aqui”. Saímos com a minha inseparável máquina fotográfica, tiramos fotos dos vizinhos e amigos depois fomos até a casa da tia Adélia, aonde estavam a Zeila com as crianças. Tiramos várias fotos e que através das imagens temos belas recordações daquele momento...
Dirlei Lourdes
Dilberto Consentino (sobrinho-neto) De 1965 a 1967
CARTA LEMBRANÇA
Quando a prima Karin ligou para mim, pedindo algumas histórias contadas pela Tia Thereza, fiquei um pouco surpreso, pois apesar de ter morado com ela por um período de 2 anos e meio, nos anos de 65, 66 e metade de 1967, quando parti para Manaus fazer medicina, cheguei à conclusão que a história a ser contada É A SUA PRÓPRIA TRAJETÓRIA DE VIDA. Naturalmente, o que posso contar é a história de minha vivencia com ela e seu segundo marido (Nhô Lau), na casa que ficava afastada da rua com um gramado em frente, no bairro Bacacheri em Curitiba.
Sua história foi de muita luta, pois ficou órfã dos pais aos 16 anos, casou com o primo e teve 3 gestações de meninas, 2 viveram poucos dias e outra faleceu ao nascer. Após 3 anos de casada perde de doença fatal o marido Antônio Pedro. Ela era vista por todos os familiares, principalmente pelos seus sobrinhos-netos e também irmãos, como uma MULHER bondosa, feliz, lutadora, acolhedora, conselheira, católica e defensora da família de Bona.
E assim, o jovem Dilberto com 20 anos, entra também nesta história, neto do irmão mais velho (Santo de Bona); vindo morar com sua Tia Thereza, com um sonho grandioso para um menino de engenho: SER MÉDICO.
Me referindo ao Nhô Lau, seu segundo marido, devo dizer que o mesmo foi um homem terrível (agressivo, alcoólatra, criador de confusões) tanto em casa como na rua, o que fazia a tia tomar atitudes enérgicas e corajosas para resolução de situações por ele criado, vivendo ela um tempo muito tumultuado. Porém, quando lá morei, a situação estava mais calma e controlada, ele já mais velho, tornou-se dependente e menos agressivo, apesar de continuar chamando suas clientes inapropriadamente de “suas cadelas”.
Ela, no seu dia a dia, em seu Ateliê de costuras, trabalhava muito, as vezes até a noite, atendendo as suas clientes que a procurava pela qualidade das confecções, e também pelas histórias que contava frequentemente, sempre com atenção e carinho a todas. Em janeiro de 1966 falece Nhô Lau com doença cancerígena no pescoço, o que fez tia Thereza cuidar e tratar carinhosamente seu marido por muitos meses. Apreciava muito ouvir as radionovelas durante seu trabalho e pouca TV e comentava a respeito, pois conhecia o metiê; foi participante junto com o irmão Marcos do Theatro Tosco de Morretes, quando jovem. Suas vizinhas gostavam muito dela, como Dona Maria casada com um engenheiro e sua irmã pianista Henriqueta e dona Therezinha casada com o dono do Posto São Paulo que tinha 03 filhos. Fazia costura e roupas para todas. A amizade com D. Therezinha era tão forte que ela com permissão da mãe estava a entabular um futuro namoro (eu com 20-21 anos com a primeira filha Tania com 14 ou 15 anos) que me admirava muito, o que para mim não era o caminho.
Lembro nesta época que era frequente as visitas dos irmãos Marcos e Theodoro, que foram criados por ela, e assim tinham gratidão e respeito pela mesma. Theodoro, pintor famoso, orgulho da gente morretense, aproveitava e fazia horas pintando no bosque que existia junto a casa. Tinha muita preocupação pela sua irmã mais nova Maria, viúva frágil de saúde, orientando seus medicamentos e direcionando sua casa; e ao filho da Maria e sobrinho Rubens, aconselhava sobre suas atitudes na vida, que com humor e respeito ele absorvia com alegria. A sobrinha Zelinda era sua preferida, sendo sempre recebida na casa com muito carinho. Meu pai me visitava mensalmente, sendo sempre bem recebido pelo casal, e minha mãe não se preocupava comigo porque sabia que estava na CASA DA TIA THEREZA. Mostro nestas linhas, que todos que a procuravam, recebiam palavras de conforto, discernimento e coragem, para seguir em frente, sendo por todos, muito QUERIDA.
Quanto a mim, estudei e me preparei bastante em sua casa, tudo tinha e nada me faltava, e assim atingi meu OBJETIVO; hoje muitas lembranças de carinho e cuidados vem em minha mente, devendo a ela também às orações para Nossa Senhora do Perpetuo Socorro que fazia para mim todas às quartas-feiras na Capela da Santa, para concretização desta vontade grandiosa.
Termino agradecendo com saudades e lembrando com tristeza minha última visita a sua casa, na entrega do meu convite de casamento, quando me deparei com ela enferma com uma doença grave, que logo lhe tiraria sua vida vindo a falecer 2 anos mais tarde, com 80 anos. E assim fica para mim e para todos nós seus familiares e amigos um GRANDIOSO EXEMPLO DE VIDA, resumido em: TRABALHO, CORAGEM, CARINHO E AMOR.
Referências
- Registros dos Livros de Cartórios de Morretes e Curitiba. - Notícias de jornais antigos do Paraná - site Biblioteca Nacional Digital. - Histórias que me contou e por familiares - Esclarecimentos de dúvidas e detalhes de Zelinda, Zeila e Ligia (de Bona). - Fotos do acervo de familiares e minhas. - Relatos dos sobrinhos-netos Dirlei Lourdes de Bona Nunes e Dilberto Consentino.
THEREZA DE BONA FERREIRA
THEREZA CRIANÇA
COLÉGIO DAS IRMÃS DA CONGREGAÇÃO DE SÃO JOSÉ DE CHAMBÉRY, 1911
NOTICIA JORNAL "A REPÚBLICA", 6/08/1921 (FIRMAS QUE ABRIRAM EM JUNHO)
ANTÔNIO PEDRO DE BONA, SEU PRIMO E ESPOSO
THEREZA VIÚVA, 1924
THEREZA, SANTIN E THEODORO (ANTES DE EMBARCAR PARA A ITÁLIA), COM PARENTES E AMIGOS NO ENGENHO DO DE BONA (1926)
NOTICIA DO JORNAL "O DIA" DE 24/03/1932
TESTEMUNHA DO CASAMENTO DE FRANCISCO IBRAIM FERREIRA, SEU CUNHADO (1937)
CASAMENTO DE NORBERTO E ZELINDA NO DIA 9/06/1956
LAUDELINO (NHÔ LAU), DÉCADA DE 1960
COM OS IRMÃOS MARCOS LUIZ, ANTÔNIO, THEODORO E MARIA (FALTANDO SANTO, JÁ FALECIDO)1971/1972
THEREZA, PASSEIO COM FAMILIARES E AMIGOS
FESTA DOS 15 ANOS DA KARIN, THEREZA COM ADELIA, OLGUINHA,MARIA,BELINHA,RITA, ZELINDA E ZEILA (1976)
A TARDE, MISSA E BENÇÃOS DOS QUADROS DA "VIA SACRA" DOADOS POR THEODORO DE BONA. AO SEU LADO ESQUERDO ARGENTINA (ESPOSA) E DO DIREITO SEUS IRMÃOS MARIA, THEREZA E MARCOS LUIZ (1978)
NO MESMO DIA, JANTAR COM A CERIMÔNIA DE ENTREGA DO "TITULO DE CIDADÃO HONORÁRIO DO ROTARY CLUB DE MORRETES" À THEODORO DE BONA. RECEBENDO DO PRESIDENTE NA OCASIÃO, DILBERTO CONSENTINO. OLHAR ORGULHOSO DE THEREZA.
THEREZA E KARIN (1980)