Em 1907 Julio Rodolpho ficou órfão de pai, com 14 anos. Tinha acabado de fazer sua confirmação na Igreja Luterana de Cristo.
Ele, então, foi trabalhar como aprendiz na “Marcenaria do Ritzmann", poucas quadras de onde residia para aprender o ofício. O local era em uma casa e iniciou fazendo peões de brinquedo, sendo remunerado por cada dúzia de peões que fazia. Quanto mais fizesse maior era seu salário, então trabalhava dia e noite para produzir cada vez mais. Seu empregador perguntou-lhe, como gostaria de receber, ele mais que depressa respondeu: Em moedas de ouro!.
Assim, Julio Rodolpho recebeu o seu salário. E era com seu esforço que ajudava a sustentar a sua mãe Frederike.
Descobriu no trabalho com a madeira seu prazer, habilidade e dedicação, desde mocinho.
Tornou-se independente e abriu sua própria marcenaria nos fundos de sua casa. Fazia os peões de brinquedo para crianças a princípio e depois moveis finos. Sua marcenaria prosperou ao longo dos anos e o tornou famoso pela qualidade das peças que realizava.Era muito minucioso, e sempre dizia “O estilo sempre tem que estar certo”.
Só deixou de trabalhar para servir no "Tiro de Guerra" em 1915, voltando em seguida a sua paixão.
A ÉPOCA DE OURO DA MADEIRA
Julio havia registrado uma “Fábrica de Móveis” na Rua Assunguy n.69, local aonde morava por volta de 1917 (fonte: anuário do Almanach do Paraná de 1929). Não foi encontrado nenhum documento relativo a Cia. na Junta Comercial do Paraná, mas era comum na época ter um “nome fantasia”, para ter autorização do local em que eram guardadas as madeiras, antes de serem trabalhadas.
Tenho em meu poder (entregue por meu pai Norberto) um cartão de visitas de meu avô Julio como gerente da Cia. Florestal Medgentra Ltda, localizado no mesmo endereço.
FAMILIA
A família Müller era muito religiosa e frequentava os cultos na Igreja Luterana de Cristo, desde a sua fundação e localizada na Rua Inácio Lustosa perto de sua residência. Eram amigos do Pastor Karl Frank e sua esposa e os cultos eram sempre em alemão. Era uma das ocasiões que os imigrantes e seus descendentes se reuniam para orar e confraternizar.
Em 1924, Julio com 31 anos tornou-se membro da diretoria da igreja e conheceu Elza com 17 anos. Filha de alemães que residiam em Tomazina e que veio morar com o casal havia a alguns anos, para estudar e aprender pintura e canto com a esposa do pastor. Neste período ela estudava e trabalhava no jardim de infância da igreja. Julio e Elza se apaixonaram e 2 anos depois foi realizado o casamento, no dia 16/07/1926 na Igreja Evangélica Luterana de Cristo. .
JUNTA COMERCIAL DO PARANÁ
Um mês antes do casamento em Junho de 1926, Julio fez um pedido de ampliação no seu ramo de madeira na Junta Comercial do Paraná.
Dados do Registro
JULIO MÜLLER, brasileiro, casado, industrial, residindo nesta capital à Rua Mateus Leme 277, com firma já devidamente registrada nesta Junta Comercial, sob o . , em 16 de Junho de 1926, pede que seja anotado a margem do seu registro o seguinte:
1- Que o meu capital de Cr$ 25.000,00 já registrado, passa para Cr$.300.000,00 (Trezentos mil cruzeiros)
2- A sua atividade que era industrial de fabricação de moveis e artefatos de madeira, passa para o comércio de madeiras em geral, laminação, compensados, comércio de madeira bruta e exportação.
3- Que continuam em pleno vigor os demais itens de sua declaração anterior e registrada sob n. 4487, acima referida.
Assinado: JULIO MÜLLER
Mas só desativou sua marcenaria no fundo de casa anos depois. Seus móveis eram muito disputados, por sua qualidade, beleza e classe. Sendo que até hoje permanecem preservados, perfeitos e com a sua beleza realçada nos detalhes.
“LAMINADORA MÜLLER”
Em meados da década de 30, Julio além da “Fábrica de Móveis”, começou no ramo de lâminas de madeira. Começou processando toras em uma madeireira, alugada por ele, no bairro “Portão”.
Ao longo desta década o negócio com laminados prosperou tanto que seu filho Norberto (meu pai) procurou e achou um terreno ideal para construir sua laminadora”. Localizado na Colônia Argelina (hoje o bairro Cabral) era íngreme e na parte mais alta do terreno passava a estrada de ferro. Um local perfeito para as toras serem descarregadas, e com o declive do terreno, eram trazidas até o pátio e posteriormente cortadas para irem ser beneficiadas nos galpões. Aonde foram construídos fornos para o preparo das laminas de madeira.
Deixou de fabricar móveis e dedicou-se exclusivamente a sua Laminadora Müller.
1939
Nesta ocasião Julio e Elza estão ambos realizando os seus sonhos. Um negócio próspero e a vida em família em harmonia com seus filhos. Quatro meninas e um menino.
LAMINADORA MÜLLER 1948
Os anos 40- apesar da guerra - foram de prosperidade, através de muito trabalho. A família estava estruturada e com os seus 5 filhos saudáveis, estudando e a Laminadora em plena ascensão.
Dependendo do montante de trabalho às vezes faziam cerão, para atender aos compromissos das vendas. Julio Rodolpho ensinou com presteza e calma os funcionários. Se o funcionário não dava certo onde estava, colocava em outra função. Gostava de ver o resultado do que ele ensinava. As toras tornavam-se cada vez maiores - geralmente de Imbuia - às vezes eram trazidas à Curitiba aos pedaços. Eram compradas em São Mateus, Guarapuava, ente outros. Cada vez mais pedidos e consequentemente mais vendas.
Em 1951 Julio comprou uma máquina faqueadeira que viria de Tchecoslováquia. Pagou, mas não recebeu, arcando com um enorme prejuízo. Então fez um croqui (esboço) e levou até a fundição “Mueller Irmãos Ltda.", de seus primos, para que fosse feita sob sua orientação. Sendo entregue em 1952. Esta máquina funcionou perfeitamente até o fechamento da fábrica no final dos anos 60. Neste momento, pensou seriamente em vender a parte que lhe cabia da Fazenda Pico Agudo, de seu sogro Reinhold Weimar, mas Elza preferiu manter em família.
Julio, com 59 anos apenas, sofre um trágico acidente em 29 de novembro de 1952, em sua Chácara no Bacacheri. Veio a falecer no mesmo dia no Hospital São Lucas.
LUTO NA LAMINADORA...
Sua fábrica estava de luto. Na segunda-feira, dia 1 de dezembro, a Laminadora permaneceu fechada. Os funcionários estavam aflitos, pois não sabiam se iriam receber seu salário, diante do que havia ocorrido. Na terça-feira Elza foi ao banco pagando-os e mesmo enlutada tomou a frente dos negócios.
Esclarecimentos: Elza havia se naturalizado a apenas 3 meses antes e por este motivo teve mais facilidade de pegar o dinheiro no banco. Era uma mulher de personalidade forte, de opinião e dinâmica para aquela época.
No mesmo dia reuniu-se com o contador. Ele falava para Julio que os negócios estavam rendendo bem, mas com sua inexperiência no ramo madeireiro, o contador atrapalhado foi cometendo erros nos cálculos. Até ele admitir que estivesse errado, Julio em vez de progredir estava se afundando em dívidas. .
Elza descobriu que as dívidas eram grandes e havia mais... O credor que era o comprador da produção das laminas vinha pagando um preço muito baixo e Julio não conseguiu amortizar a dívida. Elza ficou em um impasse. Não queria fechar a “Laminadora” que era a realização de seu marido e não queria vender a parte de sua herança paterna da “Fazenda Pico Agudo” em Ibaiti.
A partir deste dia com muita fibra, determinação e trabalho Elza administrou os negócios da família por 7 anos, com a ajuda de seu filho Norberto. Ao longo do tempo tornou-se um profundo conhecedor sobre os diversos tipos de madeira e como o seu pai tinha orgulho e amor por esta profissão.
Cansada de tantas responsabilidades Elza em 1959 fez sociedade com um americano chamado Mr. Guire, vendendo à ele 51% das ações, deixando para administrar em seu lugar na fábrica junto com o sócio seu filho Norberto, na ocasião com 25 anos, casado e com filho.
LAMINADORA DE 1963 A 1970
Detalhes como era a Laminadora, o processamento da madeira e situação dos negócios naquela época.
Ao chegar a tora que era bem grossa, era cortada em pranchas e numeradas com tinta. Em seguida eram colocadas em um tanque de vapor. Os tanques eram feitos de tijolos e cimento abaixo do chão, retangulares, aonde eram colocadas as pranchas para o cozimento da madeira. Só era colocada as pranchas (sem nenhuma água).Na época eram em número de 6 tanques. Sobre os tanques, com o auxílio de um guindaste de motor elétrico que corria em trilhos, tampas muito pesadas de madeira eram colocadas por cima para lacrar. Era colocado fogo na caldeira e o vapor penetrava na madeira amolecendo-a. Estes fornos ficavam em temperatura controlada por termômetro. O vapor tinha que ser constante e levava de 1 semana a até 15 dias neste processo. Os funcionários da caldeira trabalhavam dia e noite, alternando-se em turnos. Em hipótese alguma deveria ser apagada a caldeira ou ter temperatura alterada, até ficar completo o amolecimento da madeira.A seguir eram retiradas e colocadas em uma “maquina faqueadeira”. Era anotado o número da folha e medidas. Estas anotações eram marcadas em blocos especiais chamados de “Romaneios”, para calcular as metragens de cada lâmina com o número da prancha. Seguiam para uma grade de secagem e secavam naturalmente.
Durante este período as toras eram compradas pelo St. João Simões, que era bem quisto no ramo da madeira e que morava em União da Vitória. As toras eram compradas em Porto União, Pinhão, Capinzal, Guarapuava, entre outros. Além de Imbuia também eram processados Jacarandá e Marfim.
Os produtos eram cobiçados pelo mundo inteiro. Pela sua qualidade e espessura, que era como papel, parecia um cartão de visita. Muitas vezes foi presenciada a venda das lâminas ainda dentro dos fornos, mesmo antes de laminar, tal era a qualidade. Eram exportadas laminas de Imbuia para a Inglaterra e África do Sul. O Jacarandá para a Alemanha, Dinamarca e Holanda e marfim (madeira branca) para os Estados Unidos.
O COMEÇO DO FIM
Com a “Revolução de 1964” começaram os problemas.
Não havia credito na época e foi piorando, até que a partir de 1967, os bancos descontavam os títulos só com juros.
Um exemplo: 100.000,00 em títulos, mas apenas a metade 50.000,00 era entregue. Começaram as dividas que na época eram de 300.000,00 cruzeiros.Não conseguiam pagar os encargos como ICM, INPS que estavam atrasados. Não foram só eles que sofreram, mas a fábrica de Pianos Essenfelder, Moveis Cimo entre tantos outros grandes negócios na época.
Ao longo destes anos em que Norberto (meu pai) tentou salvar a Laminadora, para capitalizar recursos deu a sua parte da herança para sua mãe Elza, em troca de ações. Não querendo perder o sonho do seu pai que era carinhosamente chamada “A Fábrica”. Mas mesmo com todo o seu empenho foi impossível de reverter à situação.
Em 1968 o Sr. Mr. Guire procurou sua sócia Elza pedindo que coloca-se os 48% de seu capital na Laminadora, para salvá-la em nome do seu marido. Elza disse que colocaria só se ele aceitasse que ela ficasse a frente dos negócios. Mas Mr. Guire não aceitou.
O governo tomou tudo em 1969 e a Laminadora Müller fechou. O escritório permaneceu funcionando até o ano seguinte. Foi arrematada em leilão toda a Laminadora, com maquinário, caminhões e imóveis. O comprador foi um advogado que naquela época, descobria o dia do leilão, e arrematava empresas por um preço baixíssimo. Anos depois ali funcionou a conhecida Danceteria 1250 da Avenida Paraná e depois do ano de 2000 venderam o terreno para uma rede de supermercados.
Atualmente encontra-se no local o Hipermercado Wall-Mart Cabral.
Norberto após o fechamento da Laminadora continuou trabalhando com laminados. Primeiro a firma "Flab" com um sócio em São Paulo por pouco tempo e posteriormente a sua firma "Madereira Müller Ltda.¨. Comprava toras de Jacarandá, Imbúia, Mogno, Marfim e cerejeira em vários estados como Mato Grosso, Bahia, Paraná e Rondônia, que eram trazidas em caminhões e laminadas em madeireiras em Curitiba. Era como o seu pai...apaixonado pela madeira.
Das minhas lembranças de criança sobre a Laminadora:
Nunca irei esquecer do perfume da madeira nos fornos, das enormes faqueadeiras, das finas lâminas de madeira nos locais de secagem, dos serões que distribuíamos lanches com café para os trabalhadores estarem alimentados durante a noite, dos enormes guinchos com suas correntes, as conversas de mãos dadas com meu pai, quando me explicava as diferenças de cada madeira, para aonde iam e que cada uma tinha uma idade, cor e perfume. Seus olhos brilhando de orgulho pela "Fábrica", como carinhosamente ele a chamava.
Fontes:
- Relato de suas filhas Elsa Irene e Isolde Helma Müller, Luiz Fernando de Oliveira (processamento e exportações dos laminados) e lembranças pessoais.
- Almanach do Paraná edição 1929, Junta Comercial do Paraná
- Foto "Tora de Imbuia, empresa Julio Müller (1945)" publicada no Facebook, no Grupo "Antigamente Curitiba", por Hamilton Majeski (12/09/2018)
- Fotos cedidas pela filha Ingrid Haidée Müller Seraphim e acervo pessoal
JULIO (RODOLPHO) MÜLLER
Começo do "Ciclo de Ouro da Madeira", 1907- Google
Servindo no "Tiro de Guerra", 1915
Cartão da Firma ( com nome fantasia)
Junta Comercial do Paraná, autorização para comercio de madeira bruta,laminação e exportação, 1926
Anuncio no Anuário Almanach do Paraná,1929
Piano e banco seus exímios entalhes (Foto atual)
Conjunto para a sala de jantar e entalhes maravilhosos (Foto atual)
Julio (terno escuro) retirando toras com os trabalhadores
Como chegavam as toras em 1937
Julio, Elza e seus 5 filhos em 1939
Entrada da Laminadora, pela Rua Amazonas Marcondes
Julio com os caminhões na Rua Paula Gomes, perto de sua residência
Foto postada no Grupo "Antigamente Curitiba" por Hamilton Majeski (12/09/2018)
Outro carregamento...
O local do beneficiamento das madeiras
Última foto de Julio, 5 meses antes de seu falecimento
Elza (minha avó) assumindo a "Fabrica" e sua filha Elsa Irene
Trabalhadores serrando as toras
Em 1960 meu pai comprou a nossa casa perto da Laminadora
Norberto (meu pai), década de 1960
Locais do escritório e equipamentos
Local aonde eram acondicionadas e numerados os lotes de lâminas, antes de serem entregues